GUATEMALA: Grupo de mulheres enfrenta empresa mineradora canadense
Por SUZANNE DALEY
Resumen Latinoamericano. NYT. 22 de dezembro de 2016 – LOTE OCHO, Guatemala – Estava só. Seu marido estava no campo quando chegou o caminhão de soldados, policiais e guardas de segurança. Meia dúzia de homens armados entrou em sua casa de um só cômodo. Não a deixavam sair e comeram a comida que tinha feito para as crianças.
Margarita Caal Caal tardou muito tempo em falar sobre o que aconteceu naquela tarde. Nenhuma das mulheres que vivem neste povoado no leste da Guatemala o fez. Não falaram nem entre elas. Os homens que vieram desalojá-la do lugar no qual vivia – a terra pertencia a uma empresa mineradora canadense, diziam – a violaram. Um após o outro. Quando terminaram, a tiraram da casa e atearam fogo no lugar.
Enquanto sua filha serve café, Margarita olha as mãos e diz: “Continuo tendo medo. Sempre tenho medo”.
Levou seu caso à justiça. Porém, não na Guatemala, onde os maias como ela, que muitas vezes não sabem ler nem escrever e vivem em zonas isoladas, não tiveram muita sorte com a justiça no passado. Margarita apresentou a denúncia no Canadá, onde o caso de negligência Caal vs. Hudbay Mineral Inc. estremeceu as indústrias mineradoras, petrolíferas e de gás. Mais de 50% das empresas de exploração e mineração tinham sua sede no Canadá em 2013, segundo dados do governo canadense. Essas 1500 empresas tinham interesses em, ao menos, 8000 lugares em mais de 100 países.
Há décadas, as empresas subsidiárias em outros países atuam como um escudo que freia as denúncias dos defensores dos direitos humanos incluindo prejuízos ao meio ambiente e a repressão violenta de manifestantes ou o deslocamento forçado de povos indígenas.
Porém, a denúncia por negligência de Caal e outras 10 mulheres de sua aldeia que alegam terem sido violentadas em grupo naquele dia de 2007 já superou, junto a outras duas, vários revezes legais. No ano passado, uma decisão judicial ordenou que Hudbay entregasse aos advogados da mulher uma quantidade de documentos que incluíam informação interna da empresa. Hudbay, que não era proprietária da mina quando sucederam os desalojamentos, nega ter feito algo de errado.
A lei canadense não estipula indenizações como a dos Estados Unidos, inclusive nos casos em que a justiça dá razão aos querelantes. Porém, o caso Hudbay está sendo examinado. Poderia abrir uma nova via jurídica para aqueles que alegam serem vítimas de subsidiárias de empresas canadenses. E mais: a decisão que for tomada com relação a este caso poderia estabelecer o caminho a seguir para determinar que tipo de comportamentos são aceitáveis para as empresas tanto na Guatemala como em outros países.
Sara Seck, especialista em responsabilidade social corporativa de Western University, em London, Ontário, disse que “não existe uma decisão judicial que nos ajude a considerar este tipo de vínculo. A justiça vai examinar o que ocorreu ali e isso é de grande importância”.
O comportamento das multinacionais que operam em países pobres está submetido a um escrutínio cada vez mais intenso. As expectativas da sociedade mudaram, na opinião de especialistas e analistas. Muitos cidadãos de países ricos exigem que as empresas sejam mais responsáveis nos países em que operam.
No Canadá, há tempos se tenta criar um código de boas práticas para as empresas extrativistas. Até o momento, sem êxito. Em 2010, a lei que tinha criado a figura de um equivalente ao defensor do povo que investigaria as queixas nesta matéria – e inclusive negaria o acesso às linhas de crédito do setor público ou ainda aos serviços consulares as empresas acusadas de mau comportamento – por pouco não foi aprovada. A indústria extrativista se opôs com força.
John McKay, deputado do Partido Liberal que apresentou a proposta de lei, disse que espera que o novo governo trate de aprova-la de novo. “Existem empresas fazendo coisas fora que nunca se atreveriam a fazer em seus próprios países”.
McKay não é o único que pensa assim. Em um informe de 2014, o Council on Hemispheric Affairs, uma organização sediada em Washington, chegou à conclusão de que as empresas canadenses eram responsáveis por entre 50% e 70% de toda a mineração da América Latina e estão ligadas a danos ao meio ambiente. Em especial, o informe diz que a indústria “mostrou indiferença pelas reservas naturais e as zonas protegidas”.
Ao mesmo tempo e segundo o informe, se criminaliza, fere e inclusive assassina os habitantes desses lugares por protestar.
As vítimas tiveram, até agora, pouco sucesso com a justiça canadense. Seus advogados tentaram apresentar casos por violações dos direitos humanos e por crimes penais internacionais. Na maioria dos casos, os juízes decidiram que o Canadá não tem jurisdição e que esses tipos de denúncias devem ser apresentados no lugar onde se cometeu o delito, ainda que se trate de um lugar corrupto ou disfuncional.
Os advogados das querelantes no caso Hudbay, Murray Klippenstein e Cory Wanless, buscaram um enfoque diferente. Disseram que a matriz no Canadá incorreu em negligência por não colocar em prática um sistema de monitoramento efetivo para fiscalizar o que sua filial guatemalteca estava fazendo. Ao colocá-lo nesses termos, conseguiram um vínculo efetivo entre a negligência e o Canadá.
Caal e as outras mulheres que dizem terem sido estupradas em Lote Ocho apresentaram a denúncia contra a Hudbay, com sede em Toronto. A empresa também foi denunciada pela morte de um líder local, Adolfo Ich Chamán, de 50 anos, e pelos disparos que deixou paralítica uma pessoa que passava pelo local durante uma manifestação no povoado de El Estor em 2009 e não tinha nenhum envolvimento: German Chub, de 28 anos.
Os advogados da empresa tentaram fazer com que o caso fosse arquivado por um problema de jurisdição. Antes que fosse emitida a sentença, pediram aos juízes que encerrassem o caso porque lhes parecia “óbvio” que não seria aceito. Em 2013, o juiz não esteve de acordo com eles.
Chegar aos tribunais não foi fácil para as querelantes. A maioria só fala q’eqchi, um idioma local. Não foram à escola e viajar ao Canadá lhes parece aterrorizante. Além disso, enfrentaram uma boa parte da população de lugares como El Estor, onde existe uma fábrica de processamento de níquel.
A empresa nega a maioria das acusações apresentadas contra ela. Diz que nenhum empregado da empresa esteve em Lote Ocho durante os desalojamentos e que não ocorreram violações. Seu sítio na internet assinala que, por então, Hudbay não tinha nenhum vínculo com a mina, propriedade da Companhia Guatemalteca de Níquel, que por sua vez era de Skye Resources Inc. Hudbay não a comprou até 2008, ao assumir seus passivos; depois a vendeu e já não é sua.
Também mantém que não existiu nenhuma negligência em 2009, quando era de sua propriedade. Dizem que os assassinatos de Ich, que era professor, e o de Chub, um camponês, ocorreram no marco da legítima defesa, ou seja, enquanto os guardas da empresa se defendiam de manifestantes armados.
No entanto, fatos recentes dão legitimidade às acusações das querelantes. O responsável pela segurança da mina durante os desalojamentos de 2007 e os tiroteios de 2009, um coronel do exército da reserva chamado Mynor Padilla, enfrenta julgamento na Guatemala pelo ocorrido.
Além disso, dois oficiais do exército foram condenados em março por violar e escravizar mulheres indígenas durante a guerra civil da década de 80. Muitos acreditam que esse tipo de comportamento se repetiu ao longo da história recente do país. Durante a guerra entre o exército, apoiado pelos Estados Unidos, e a guerrilha de esquerda, a população rural e indígena foi atacada em diversas ocasiões.
Todavia, a população q’eqchi acredita que a maior parte da terra lhes pertence e não às empresas.
Na época dos desalojamentos, não existia mineração na zona, mas as empresas desalojaram as comunidades. No alto das montanhas, Lote Ocho é pouco mais de uma dúzia de construções de madeira onde vive aproximadamente uma centena de pessoas, a maioria crianças.
Não existe eletricidade nem escolas. A aldeia está a uns 45 minutos, por uma estrada de terra, do povoado mais próximo. Chegar é mais difícil do que parece. Normalmente são obrigados a caminhar e isso demora duas horas.
Margarita Caal diz que os homens armados que a atacaram durante o despojo se comportaram com tanta brutalidade que não pode nem levantar-se de onde a deixaram. Quando seu marido perguntou o que tinha acontecido, disse que tinha caído, por medo de como poderia reagir. Todavia, é custoso falar do que passou.
“Recordar é como voltar a experimentar. Dói. A uma mulher, dói”.
Ilustração: Angélica Choc, viúva de Adolfo Ich, sentada sobre sua tumba no cemitério de El Estor. Credit: Adriana Zehbrauskas para The New York Times
Fonte original: http://www.nytimes.com/es/ 2016/04/05/un-grupo-de- mujeres-en-guatemala-se- enfrenta-a-una-empresa-minera- canadiense/#story-continues-23
Fonte: http://www. resumenlatinoamericano.org/ 2016/12/22/guatemala-un-grupo- de-mujeres-en-guatemala-se- enfrenta-a-una-empresa-minera- canadiense/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro
Resumen Latinoamericano. NYT. 22 de dezembro de 2016 – LOTE OCHO, Guatemala – Estava só. Seu marido estava no campo quando chegou o caminhão de soldados, policiais e guardas de segurança. Meia dúzia de homens armados entrou em sua casa de um só cômodo. Não a deixavam sair e comeram a comida que tinha feito para as crianças.
Margarita Caal Caal tardou muito tempo em falar sobre o que aconteceu naquela tarde. Nenhuma das mulheres que vivem neste povoado no leste da Guatemala o fez. Não falaram nem entre elas. Os homens que vieram desalojá-la do lugar no qual vivia – a terra pertencia a uma empresa mineradora canadense, diziam – a violaram. Um após o outro. Quando terminaram, a tiraram da casa e atearam fogo no lugar.
Enquanto sua filha serve café, Margarita olha as mãos e diz: “Continuo tendo medo. Sempre tenho medo”.
Levou seu caso à justiça. Porém, não na Guatemala, onde os maias como ela, que muitas vezes não sabem ler nem escrever e vivem em zonas isoladas, não tiveram muita sorte com a justiça no passado. Margarita apresentou a denúncia no Canadá, onde o caso de negligência Caal vs. Hudbay Mineral Inc. estremeceu as indústrias mineradoras, petrolíferas e de gás. Mais de 50% das empresas de exploração e mineração tinham sua sede no Canadá em 2013, segundo dados do governo canadense. Essas 1500 empresas tinham interesses em, ao menos, 8000 lugares em mais de 100 países.
Há décadas, as empresas subsidiárias em outros países atuam como um escudo que freia as denúncias dos defensores dos direitos humanos incluindo prejuízos ao meio ambiente e a repressão violenta de manifestantes ou o deslocamento forçado de povos indígenas.
Porém, a denúncia por negligência de Caal e outras 10 mulheres de sua aldeia que alegam terem sido violentadas em grupo naquele dia de 2007 já superou, junto a outras duas, vários revezes legais. No ano passado, uma decisão judicial ordenou que Hudbay entregasse aos advogados da mulher uma quantidade de documentos que incluíam informação interna da empresa. Hudbay, que não era proprietária da mina quando sucederam os desalojamentos, nega ter feito algo de errado.
A lei canadense não estipula indenizações como a dos Estados Unidos, inclusive nos casos em que a justiça dá razão aos querelantes. Porém, o caso Hudbay está sendo examinado. Poderia abrir uma nova via jurídica para aqueles que alegam serem vítimas de subsidiárias de empresas canadenses. E mais: a decisão que for tomada com relação a este caso poderia estabelecer o caminho a seguir para determinar que tipo de comportamentos são aceitáveis para as empresas tanto na Guatemala como em outros países.
Sara Seck, especialista em responsabilidade social corporativa de Western University, em London, Ontário, disse que “não existe uma decisão judicial que nos ajude a considerar este tipo de vínculo. A justiça vai examinar o que ocorreu ali e isso é de grande importância”.
O comportamento das multinacionais que operam em países pobres está submetido a um escrutínio cada vez mais intenso. As expectativas da sociedade mudaram, na opinião de especialistas e analistas. Muitos cidadãos de países ricos exigem que as empresas sejam mais responsáveis nos países em que operam.
No Canadá, há tempos se tenta criar um código de boas práticas para as empresas extrativistas. Até o momento, sem êxito. Em 2010, a lei que tinha criado a figura de um equivalente ao defensor do povo que investigaria as queixas nesta matéria – e inclusive negaria o acesso às linhas de crédito do setor público ou ainda aos serviços consulares as empresas acusadas de mau comportamento – por pouco não foi aprovada. A indústria extrativista se opôs com força.
John McKay, deputado do Partido Liberal que apresentou a proposta de lei, disse que espera que o novo governo trate de aprova-la de novo. “Existem empresas fazendo coisas fora que nunca se atreveriam a fazer em seus próprios países”.
McKay não é o único que pensa assim. Em um informe de 2014, o Council on Hemispheric Affairs, uma organização sediada em Washington, chegou à conclusão de que as empresas canadenses eram responsáveis por entre 50% e 70% de toda a mineração da América Latina e estão ligadas a danos ao meio ambiente. Em especial, o informe diz que a indústria “mostrou indiferença pelas reservas naturais e as zonas protegidas”.
Ao mesmo tempo e segundo o informe, se criminaliza, fere e inclusive assassina os habitantes desses lugares por protestar.
As vítimas tiveram, até agora, pouco sucesso com a justiça canadense. Seus advogados tentaram apresentar casos por violações dos direitos humanos e por crimes penais internacionais. Na maioria dos casos, os juízes decidiram que o Canadá não tem jurisdição e que esses tipos de denúncias devem ser apresentados no lugar onde se cometeu o delito, ainda que se trate de um lugar corrupto ou disfuncional.
Os advogados das querelantes no caso Hudbay, Murray Klippenstein e Cory Wanless, buscaram um enfoque diferente. Disseram que a matriz no Canadá incorreu em negligência por não colocar em prática um sistema de monitoramento efetivo para fiscalizar o que sua filial guatemalteca estava fazendo. Ao colocá-lo nesses termos, conseguiram um vínculo efetivo entre a negligência e o Canadá.
Caal e as outras mulheres que dizem terem sido estupradas em Lote Ocho apresentaram a denúncia contra a Hudbay, com sede em Toronto. A empresa também foi denunciada pela morte de um líder local, Adolfo Ich Chamán, de 50 anos, e pelos disparos que deixou paralítica uma pessoa que passava pelo local durante uma manifestação no povoado de El Estor em 2009 e não tinha nenhum envolvimento: German Chub, de 28 anos.
Os advogados da empresa tentaram fazer com que o caso fosse arquivado por um problema de jurisdição. Antes que fosse emitida a sentença, pediram aos juízes que encerrassem o caso porque lhes parecia “óbvio” que não seria aceito. Em 2013, o juiz não esteve de acordo com eles.
Chegar aos tribunais não foi fácil para as querelantes. A maioria só fala q’eqchi, um idioma local. Não foram à escola e viajar ao Canadá lhes parece aterrorizante. Além disso, enfrentaram uma boa parte da população de lugares como El Estor, onde existe uma fábrica de processamento de níquel.
A empresa nega a maioria das acusações apresentadas contra ela. Diz que nenhum empregado da empresa esteve em Lote Ocho durante os desalojamentos e que não ocorreram violações. Seu sítio na internet assinala que, por então, Hudbay não tinha nenhum vínculo com a mina, propriedade da Companhia Guatemalteca de Níquel, que por sua vez era de Skye Resources Inc. Hudbay não a comprou até 2008, ao assumir seus passivos; depois a vendeu e já não é sua.
Também mantém que não existiu nenhuma negligência em 2009, quando era de sua propriedade. Dizem que os assassinatos de Ich, que era professor, e o de Chub, um camponês, ocorreram no marco da legítima defesa, ou seja, enquanto os guardas da empresa se defendiam de manifestantes armados.
No entanto, fatos recentes dão legitimidade às acusações das querelantes. O responsável pela segurança da mina durante os desalojamentos de 2007 e os tiroteios de 2009, um coronel do exército da reserva chamado Mynor Padilla, enfrenta julgamento na Guatemala pelo ocorrido.
Além disso, dois oficiais do exército foram condenados em março por violar e escravizar mulheres indígenas durante a guerra civil da década de 80. Muitos acreditam que esse tipo de comportamento se repetiu ao longo da história recente do país. Durante a guerra entre o exército, apoiado pelos Estados Unidos, e a guerrilha de esquerda, a população rural e indígena foi atacada em diversas ocasiões.
Todavia, a população q’eqchi acredita que a maior parte da terra lhes pertence e não às empresas.
Na época dos desalojamentos, não existia mineração na zona, mas as empresas desalojaram as comunidades. No alto das montanhas, Lote Ocho é pouco mais de uma dúzia de construções de madeira onde vive aproximadamente uma centena de pessoas, a maioria crianças.
Não existe eletricidade nem escolas. A aldeia está a uns 45 minutos, por uma estrada de terra, do povoado mais próximo. Chegar é mais difícil do que parece. Normalmente são obrigados a caminhar e isso demora duas horas.
Margarita Caal diz que os homens armados que a atacaram durante o despojo se comportaram com tanta brutalidade que não pode nem levantar-se de onde a deixaram. Quando seu marido perguntou o que tinha acontecido, disse que tinha caído, por medo de como poderia reagir. Todavia, é custoso falar do que passou.
“Recordar é como voltar a experimentar. Dói. A uma mulher, dói”.
Ilustração: Angélica Choc, viúva de Adolfo Ich, sentada sobre sua tumba no cemitério de El Estor. Credit: Adriana Zehbrauskas para The New York Times
Fonte original: http://www.nytimes.com/es/
Fonte: http://www.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro
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