Na vida somos corpos carnes e desejos
Uma vez em visita à um amigo, tomei um café, e começamos a conversar sobre o mundo em que vivemos. E essa conversa tinha como fundo as formas de vida que encontramos cotidianamente em nosso país. Há pessoas que vivem no Brasil, e tens a rua como a sua casa eternamente, são pessoas que nasceram num canto qualquer das praças, que alimentam com sopas de legumes doadas, ou feitas em fogões improvisados, com ossos de bois e os tutanos e sopas de fubás. Que aprenderam a vender balas no farol, ou simplesmente quer limpar para-brisa dos carros quando fecham o sinal.
Outras pessoas nasceram no arrebaldes, em casas de madeiras e viveram eternamente de bicos, e mesmo não tendo uma casa literalmente, sabem realizar serviços domésticos, a limpar quintal, arrumar jardins, limpar encanamento de banheiros banheiros. Essas pessoas que moram na rua ou no arrebalde e que faz esses tipos de serviços são tidos como paupérrimos em termos econômicos e são na verdade uma grande maioria, que vive numa sociedade capitalista, num processo de capitalista subterrâneo. Ou seja se vira, como se diz popularmente.
Ou vive-se ou enlouquece, recordo que na esquina da rua donde eu morava aparecia um ser humano que nós apelidamos de o "homem Coca cola", e que até hoje não sei o nome dele e como ele desapareceu de nossa sociedade. Ele chegava e começava a fazer um discurso todo atrapalhado e misturava sentimentos religiosos, com desejos políticos, como alucinações, e algumas palavras soavam em frases até desconexas. Eu ficava ouvindo e dizia que loucura é essa. Eu confesso que não entendia nada do que ele falava, mas entendia que num mundo em que vivemos ser louco é mais do que normal.
Comecei observar também aquelas pessoas que andava de carro, e bem devagar, como quem quisesse deixar marcas de um tempo em que a pressa não era algo tão preciso. Eram pessoas idosas, algumas até com um olhar conservador, que acreditava que as praças e as casa deviam manter a sua beleza na leitura da natureza. E assim víamos as construções com mudas de árvores, com flores nos jardins, varandas com ramalhetes de primaveras e rosas e não havia necessidade de grades, como atualmente se faz. Essas pessoas deixaram também de existir.
Entre os que usavam veículos automotores, surgiram os rebeldes com as tais leonetes, mobiletes, depois as vespas, as motos cilindradas, e com alto poder de velocidade e barulho e tudo começam a mudar, os fuscas surgem e saem fora de moda, os gordinis, os calhambeques, o DKV, que depois que compravam alguns dizia agora e decaga, mas o importante que foram parte de um tempo, em que as ruas foram dominadas por máquinas vieram os landaus, os itamaratís, e outros carros que nós jovens chamavam de posto de gasolina ambulante. Era um escândalo. E bem mais tarde foram tudo sendo modificados. Nesta época surgiram as modinhas do iê-iê-iê, dos twistis, as meninas com calças afuniladas caneladas, e que eram uns show. Os meninos aprenderam a ficar observando e admirando aquelas bundinhas femininas redondinhas que nem maçãs. E despertar o desejo de mordê-las, e até apareceram a gíria de vou comer você.
E nesta ideia de comer. Surge aqueles e aquelas que querem ser comidas, devoradas, não sentimentalmente mas sexualmente. Surge as mulheres e os homens que se vendem corpos para satisfazer aqueles que desejam tarar o próximo. E nisto começam um comercio, no contexto capitalista e comumente chamado de putaria.
E nesta arquitetura humana comecei a conhecer pessoas que sorria deste laboratório de emoção que é a vida, e nisto me faz lembrar Drummond de Andrade quando ele escreve "chega um tempo em que não se diz mais meu Deus, tempo em que não se diz mais meu amor, porque o amor resultou inútil". É as pessoas só desejam o prazer e depois desaparecer. como o homem Coca Cola que talvez virou suco, talvez foi internado num manicômio, ou talvez morreu como indigente. A uma certeza de que a maioria dessas pessoas dos arrebaldes, que moram em casa de plásticos ou de papelão que vive num sinal ganhando a vida são seres invisíveis para os analistas econômicos. Que visam apenas tratar do comércio,da industria do fazendeiro do agiota, do banqueiro, embora todos quando morrem fazem parte de uma naturalidade da existência.
Não há sequer ninguém dizendo que os indigentes ou pobres partem como barcos que desaparecem no azul do mar. Uma imagem que sempre faço, quando perco alguém querido da minha família ou do meu circulo de amizade. Uma imagem que me faz chorar pela minha incapacidade de ter esse alguém que eu gosto novamente do meu lado. Mas como escreveu Drummond "ficaste sozinho a luz apagou mas na sombra teus olhos resplandecem".
Essa literal observações que podemos fazer ao pensar em todas as pessoas que conosco convivem ou conviveram ou que ainda vão nos encontrar, que eu digo que é o nosso laboratório de emoções de repetições de ensaios teatrais da realidade, num estado de beatitude ou num ultrapassar de divisões aos graus de lucidez, entre profano sagrados, entre mundanos e transcendentais, entre o terreiro e a igreja, entre o celestial e o infernal tudo é integração de oposto que se soma na diversidade de nossa existência. É a lógica dialética que trabalhamos que conversamos cientifica e filosoficamente. E revivemos sempre num café e num bom bate papo. A vida assim sempre nos mostra, que fomos um dia criança, mas que já perdemos a nossa inocência, amamos feito loucos, erramos em tudo, traímos e fomos traídos por amor, por dinheiro, e deixamos a nossa inocência se esvair eramos leves e sorriamos da graça até dos pássaros namorando. Até entender que eles faziam ciências, da zoologia, biologia, química e física na evolução das espécies, e que o tempo encarregou de deixar em nós essa consciência, essa articulação endurecida, esses cabelos brancos e o dom de recordar e descrever a vida, pois hoje brincar é bem mais difícil, embora perdemos o juízo quando nos apaixonamos fodas-se, somos corpos carnes e desejos.
Manoel Messias Pereira
cronista, poeta
Membro da Academia de Letras do Brasil -ALB
São José do Rio Preto-SP. Brasil
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