Crônica - Na sobrenaturalidade da vida eu ainda sou criança - Manoel Messias Pereira


Na sobrenaturalidade da vida eu ainda sou criança

Quantas vezes já colhi pequenas flores do campo e levei para enfeitar a janela de minha casa, na leitura do tempo. Em que ficava esperando a minha mãe vir do trabalho. E outras vezes ficava olhando os peixinhos num pequeno córrego e questionava-me, quem foi que criou esses bichinhos e colocou neste pequeno rio? Ou quem foi que criou tanto passarinho e espalhou pelo céu? Coisas de crianças, perguntas da infância. Perguntas que mesmo com o tempo, com as respostas das ciências, da evolução das espécies ou até mesmo da religião do criacionismo, coisas que tentam convencer-me. Mas mantenho uma resposta poética que desarruma todas as explicações. São essas belezas que nos unem todos nesta terra que aprendemos a cortar correndo de pés descalços e até entender  os limites dos arrebaldes, aquela busca constante das borboletas nas flores, na aventura das abelhas. E na leitura do gosto do mel.

Quando crescemos e estudamos, descobrimos que a terra tem duas passagens, uma material e outra espiritual. No livro do meu professor de pós- gradução o Sr. Carlos Rodrigues Brandão, intitulado "somos as águas Puras" ele descreve que a passagem material é aquela que por nós é vista. Mas a outra que é espiritual era somente os aborígenes que poderiam relacionar com ela plenamente. E isto parece a mesma respostas colhidas entre os povos seatles. portanto isto está relacionado com as crenças. Pensando assim eu penso que tinha uma passagem espiritual, em meus sonhos, quando deitava debaixo de um arbusto num local fresco e adormecia simplesmente de maneira suave e nestes sonhos entrava num mundo totalmente diferente desse, com outros povos outros sorrisos, numa atenção ao sol. Mas como não sou aborígens e nem seatles penso que essa terra nem me pertence. Sou filho de homens que nasceram num outro continente e por aqui vieram com suas histórias, suas crenças e suas filosofias. Enfim sou um ser de pele escura, que uns preferem ser negros e outros dizem pretos. sou filho e neto da afrodescendência da diáspora africana.

Quando os meus avós conversavam comigo, eles transmitiam conhecimentos que fugiam dos bancos universitários. Junto com o aprendizado que pude receber muita coisa era crença deles dum passado que não conheci, outros pontos eram partes de uma desconfianças que eles tinham por aqui, e entre tudo isto haviam muitas crendices.

Minha avó dona Ana Pereira, dizia que deixou o meu avô, com quem ela casou ainda adolescente com apenas 15 anos, pois tinha medo da crença dele e das coisas que acontecia inexplicavelmente E uma noite sentada numa cadeira com a lamparina acesa, meu avó havia saído e ninguém sabe para onde, mesmo com a luz da lamparina pois não havia luz elétrica via que minha mãe criança pequena chorava nos braços dela. Sempre que olhava a porta. E ela não entendia porque. Até que lhe veio uma pergunta.:

- O que será que está incomodando essa criança que ela olha para a porta e se assusta e eu não vejo nada? Apareça pra mim oras?

E neste momento quase que numa forma mágica ela sentiu o apagar da lamparina e viu o vulto de uma madre. O que espantou-a.

Ela disse - Isto não faz parte da minha vida e sim do Jose Antonio, vá até ele?

E neste momento tudo ficou calmo a luz da lamparina voltou a brilhar normalmente, a menina adormeceu. E não demorou muito o meu avô retornou para casa e um pouco nervoso. E disse:

- Sempre que chegar uma visita, mesmo que não seja física receba-a bem, e nunca mande para mim onde quer que eu estejas.

Este episódio, sobrenatural contado de maneira oral passou a fazer parte da vida da família. Minha avó deixou o meu avô, e veio morar na cidade de São José do Rio Preto-SP. onde morou na vila Ercília tendo essa história como segredo da família.

Minha avó sempre teve medo de espiritismo e espiritualismo, sempre procurou fazer suas orações dentro de casa. Uma pessoa católica que não era carola. Teve uma outra filha além de minha mãe mas que morreu ainda criança, e foi avisada por um médium que pudesse correr até um hospital, pois ele via que ela precisava de uma consulta urgente. Minha avó foi até o Pronto Socorro que ficava ali, na Rua Saldanha Marinho, mas a menina noutro dia faleceu. Mais um mistério além do natural, que a família acumulou como sobrenatural.

Minha mãe cresceu num lar portanto católico. Minha avó teve um segundo marido, que era conhecido como o francês, Charles, Charlui ou Chalni que era um rapaz que veio juntamente com outro amigo que era padre, de La Martinica. Ele charles fixou residencia aqui e o seu amigo em Icém. Minha mãe logo teve o padastro que morreu, mas antes de tudo de uma um chicote deu uma chicotada em cada filho. E disse morro, mas no mesmo dia morre o meu vizinho Candinho e dona Maria. E no mesmo dia os três morreram ele de cirrose e os dois de infarto. E os caixões saíram para o Cemitério da vila Ercília em São José do Rio Preto-SP., minha mãe dizia mais um acontecimento sobrenatural. 

Minha mãe contou que escreveu até para Edson Carneiro, para que pudesse desvendar tantos assuntos de natureza sobrenatural, mas ele não deu respostas objetivas. Tudo parecia algo muito comum, ela resolveu frequentar mais a Igreja e por várias vezes desmaiava dentro da Catedral, de São José do Rio Preto-SP até que o padre pediu, orar em casa. Ela foi então para a Igreja Pentecostal, lá ela não desmaio mas perdeu a consciência. E resolveu ficar em casa, até que um dia quando eu já era nascido, ela teve um sonho e procurou um primo, que na verdade também era meu tio, pois tenho toda a cultura de família tradicional africana, em que dois troncos casavam-se, pessoas destes troncos sem perder o vínculo da família,  embora fossemos descendentes de escravos brasileiros, e já tínhamos a cultura das famílias europeias. E neste sonho ela fala do terreiro de Oxóssi. E como parte da realidade meu primo mostra pra ela onde era o terreiro e disse que ele já frequentava aquele ambiente.

E foi ali que ela chegou teve o início da sua iniciação. Cujo o responsável pela Casa disse que ela já fora iniciada ainda criança, pelo pai dela, e que necessitaria dar sequência a sua missão. Com isto ela passou a frequentar terreiros de Umbanda até fazer toda a iniciação, a preparação de cabeça e graduar-se como babalorixá.

Minha avó que antigamente tinha medo destas coisas de espiritismo também cultuou a Umbanda e faleceu aos sessenta e três anos de idade numa sala de cirurgia e o que recordo-me, que ao entrar no Hospital quando ela estava internada eu pensei acho que ela fica. Cheguei no quarto dela e disse a: 

- a senhora não pediu nem a TV, ela respondeu
- não precisa, não vou acompanhar a novela. E emendou diga pra sua mãe fazer aquela compra da roupa que pedi, era toda azul, e para a sua irmã  Rosa abrir o envelope à noite. 

Pois bem ela faleceu a tarde. A noite a minha irmã Rosana abre o envelope e lá estava destinado todas as suas pequenas coisas de casa. Ela repartiu tudo como quem soubesse que daquela mesa de cirurgia ela não passaria. E a roupa toda de azul foi que ela vestiu e ficou no caixão.

Essas coisas fez-me entender as aulas do professor Carlos Rodrigues Brandão, pois todos nós seres humanos somos dotados de intuição,  de perspectivas de um realidade natural ou até sobrenatural, e com isto  talvez isto é a verdade material ou espiritual que ele tenta falar no livro. E que a ideia que era defendida pelos indígenas, as vezes pode acontecer com outros seres pois somos todos humanos e dotados de imperfeições, erros de vidas interpretações, ou seja pode ser que sejamos águas puras destinadas a contaminarmos com esse esgoto desgraçado que é a vida cheia de canalhas, salafrários, pessoas inescrupulosas que dividem conosco o mesmo ar. E talvez isto é que quebra um pouco desta pureza mineral espiritual. 

Porém eu ao colher as flores, deixava as minhas mãos perfumadas, enfeitava a janela, com a ternura da tarde que caia junto a Ave Maria, transmitida no rádio. As flores eram benças colhidas com a ternura de Oxun  as margens dos rios,  eram a beleza dos lírios eram o cheiro das rosas, que perfumava o ar de Iansã, na leitura dos tempos. Este senhor tão bonito quanto a cara de meu filho, usando o verso de Caetano Veloso.  Lembro dos peixinhos nadando no pequeno rio como se estivesse no mar de Yemanjá. Era a ilusão deles era a verdades daqueles seres vivos. Senão a verdade cientifica da existência a verdade poética defendida por mim. E quanto aos passarinhos que povoam o ar, que faz a dança coreográfica da natureza penso como os japoneses quando disse que os pássaros são criatura que traz o recado dos deuses, e deixam nas árvores, como um doce xintoismo quando se há uma ausência da escritura sagrada, mais há uma contemplação e a crença naquilo que está na natureza e isto vem de Shinto que é o caminho dos deuses. E essa busca dos orientais parece muito com coisas do candomblés. Em que todos os elementos da naturezas, assim como pedras, plantas, comidas pertencem a um Orixá. Ori-cabeça, xá o senhor de suas cabeças, e o importante é que a reverência é explicitamente sagrada. E com isto posso entender um pouco essa vida material e espiritual, mas tenho ainda dificuldade de entender o natural e sobrenatural. Mas nem todos os seres humanos conseguem dar respostas a todas as perguntas. Prefiro ter a ideia que for mas me senti ainda um erê, uma criança que pode fazer arte.


Manoel Messias Pereira

cronista, poeta, articulista, professor
Membro da Academia de Letras do Brasil -ALB
São José do Rio Preto -SP.




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