‘Efeitos da Guerra dos Seis Dias perduram 50 anos depois’


imagemOpera Mundi – Diana Hodali (av). Deutsche Welle
Ocupação de territórios palestinos por Israel, há cinco décadas, alterou milhões de vidas, mas comunidade internacional evita abordar a sério o conflito no Oriente Médio, critica sociólogo palestino Salim Tamari em entrevista à DW

Em 5 de junho de 1967, Israel atacou o Egito, Síria e Jordânia, dando início à assim chamada Guerra dos Seis Dias. Desde a promulgação do Estado de Israel, em 1948, os vizinhos árabes insistiam na criação de um Estado palestino, gerando conflitos sucessivos entre as duas partes.
A situação na fronteira da Síria atingiu um ponto crítico em abril de 1967: os sírios haviam instalado bases de artilharia em Golã para bombardear colônias israelenses. A derrubada de sete aviões de guerra por Israel provocou o início da mobilização árabe.
Após a assinatura de pactos militares entre Egito, Síria e Jordânia, Israel iniciou a mobilização geral. Na manhã de 5 de junho, aviões da força aérea israelense atacaram bases aéreas do Egito, destruindo centenas de aviões em 48 horas. Os combates se encerraram em 10 de junho, com o cessar-fogo com a Síria, após Israel ter conquistado as Colinas de Golã.
As consequências desses seis dias se mantêm até hoje, com a existência ou não de um Estado palestino sendo foco não só de tensões diárias na região, mas também nos palcos da política internacional.
A DW entrevistou o sociólogo palestino Salim Tamari. Nascido em 1945 em Acre, a norte da Baía de Haifa, ele é diretor do Instituto de Estudos Palestinos e docente do Centro de Estudos Árabes Contemporâneos da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos.
DW: Quais circunstâncias levaram à Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967?
Salim Tamari: O detonador imediato foi o então presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, ter bloqueado o Estreito de Tiran, cortando o acesso de Israel às águas internacionais. O verdadeiro motivo, no entanto, foi, entre outros, o fato de Israel ter rechaçado sistematicamente as resoluções da ONU de 1948, para o retorno dos refugiados. Além disso, havia tensões na fronteira entre Israel e o Egito, na região de Gaza.
A guerra acabou após poucos dias, mas as consequências peduram até hoje. Quais efeitos diretos teve o conflito?
Os Exércitos da Síria, Egito e Jordânia tiveram que aceitar uma derrota. Além disso, Israel ocupou toda a Península do Sinai, a Cisjordânia, inclusive a zona leste de Jerusalém e parte das Colinas de Golã, na Síria. Os efeitos imediatos foram não só totalmente devastadores para os diversos governos árabes, mas também para os palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.
Como a vida da população mudou depois da guerra?
Dois aspectos alteraram a vida cotidiana: por um lado, os palestinos da Cisjordânia, Faixa de Gaza e das Colinas de Golã deixaram de ter acesso a um aeroporto. Não podiam mais viajar, manter comércio, nem mais ter intercâmbio com outras culturas, como costumavam.
Por outro lado, os mercados da Cisjordânia e da Faixa de Gaza foram integrados aos dos israelenses. A consequência positiva foi os palestinos voltarem a ter acesso à Palestina histórica, e assim também aos territórios que alguns deles haviam perdido em 1948.
Então, Jerusalém foi formalmente anexada. Os moradores palestinos de lá se tornaram habitantes de Israel, podendo se mover mais livremente do que os palestinos da Cisjordânia e Gaza.
Pode-se dizer que os palestinos de Jerusalém foram igualmente anexados? Eles não são cidadãos israelenses de pleno direito, não têm passaporte israelense, podem viver lá, mas, por exemplo, só têm o direito de participar de eleições locais.
A cidade foi anexada, mas não a população. Os palestinos tiveram que requerer uma “carteira de identidade azul”, recebendo um status que se pode situar entre o dos palestinos em outras cidades de Israel, e os da Cisjordânia e Faixa de Gaza. Na prática, eles continuam vivendo numa espécie de estado de incerteza.
Vários palestinos dizem que não conseguem ver 1967 desconectado dos acontecimentos de 1948, quando o Estado de Israel foi fundado na sequência de uma guerra. O senhor concorda?
Muitos palestinos que vivem na Cisjordânia e Gaza são refugiados de territórios que se transformaram no Estado de Israel em 1948. Os palestinos que fugiram em 1967 vivem hoje principalmente em outros países árabes. Os daqui são historicamente traumatizadas pela guerra de 1948, para eles 1967 significa algo totalmente diverso. Eles não se tornaram refugiados, mas sim reféns da anexação da Cisjordânia e Gaza por Israel.
No fim dos anos 60, o senhor mesmo se recolheu na Cisjordânia. Como a ocupação e os cidadãos de lá mudaram nos últimos 50 anos?
A diferença principal em relação a hoje é que, depois da guerra de 1967, tinha-se a sensação de se encontrar num estado que permaneceria para sempre. As nações árabes foram derrotadas, não tinham mais como se reerguer militarmente. Mas então em 1987 veio a primeira Intifada [revolta palestina], e as pessoas tiveram a sensação de que a ocupação poderia ter um fim.
Mas os resultados dos Acordos de Oslo de 1993 foram um desdobramento decepcionante. Pois lá se deliberou o prosseguimento da ocupação numa outra forma, sob a capa da assim chamada “Autonomia”. De repente as pessoas tinham uma outra visão: não se tratava mais de uma luta por mais independência ou por uma solução de dois Estados, mas sim de um embate judicial.
Muitos movimentos israelo-palestinos sempre colocam o fim da ocupação em primeiro plano. Essas iniciativas serão capazes de alcançar algo enquanto a situação política não mudar?
Elas realmente alcançaram algo depois da primeira Intifada. Solidariedade intraétnica foi o resultado, o que acabou gerando as negociações de paz de Oslo. Mas isso gastou a resistência dos palestinos, muitos não querem passar por algo como Oslo mais uma vez.
A isso soma-se o fato de que o movimento de paz e também a esquerda israelense encolheram, tanto em tamanho quanto em significado. Naturalmente, há desobediência civil e protestos pacíficos. Sou da opinião de que eles contribuem para criar uma nova visão. Mas no momento ainda não é algo que se possa traduzir em ações políticas.
O que a comunidade internacional deve fazer, para que a ocupação tenha fim e uma solução de dois Estados possa prosperar?
A comunidade internacional precisa se dedicar bem decididamente ao tema das desapropriações de terra e da ampliação dos assentamentos. Além disso, deveria criar um clima que leve Israel a se retirar dos territórios ocupados. Mas tudo isso já é conhecido. Só que nem a Europa e muito menos os Estados Unidos querem se ocupar de verdade desses temas políticos.
Ilustração: Pedestres ao lado do muro que separa a Palestina de Israel na cidade de Belém, a caminho da mesquita Al Aqsa, que fica em Jerusalém Oriental, território palestino ocupado por Israel. Agência Efe.
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