Por que silenciar a procuradoria de direitos Humanos

Por que silenciar a Procuradoria de Direitos Humanos?

Pedido de providências será julgado pelo CNMP
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Rafael Custódio
João Paulo de Godoy

Foto: Sérgio Almeida/ Ascom/ CNMP

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O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) iniciou no dia 22/11 o julgamento do Pedido de Providências nº 1.00717/2016-53, apresentado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) que almeja impedir a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, da Procuradoria Geral da República (PFDC/PGR), de exercer seu papel diante de inúmeras violações de direitos humanos observadas em protestos realizados no Estado de São Paulo. Com oito votos favoráveis ao pedido de mordaça do órgão federal, o julgamento deve ser encerrado na próxima terça-feira, dia 6, quando será retomado após um pedido de vista.
O MPSP alega que a PFDC abriu, indevidamente, procedimento para apurar as denúncias sobre violações de direitos humanos decorrentes de violência policial em manifestações, pois entende que o órgão federal não teria competência para exercer o controle externo da atividade desenvolvida pelas polícias Civil ou Militar dos Estados, nem para apurar as condutas e tomar providências adequadas em face de violações a direitos fundamentais. O MPSP encerra a peça pedindo ao CNMP que assegure sua autonomia funcional, desconstituindo o procedimento administrativo da PFDC ou determinando seu encaminhamento ao MPSP.
Esse artigo poderia abordar os contornos jurídicos do problema, indicando por exemplo a leitura do artigo 13 da Lei Complementar n.º 75/93, que estabelece que a PFDC receba e apure reclamações que lhe forem encaminhadas, instruindo como bem entender o procedimento e determinando, se concluir por isso, o envio da questão à autoridade responsável – o que não se confundiria, apesar de eventualmente dialogar, com o “controle externo da atividade policial”. Poderíamos, ainda, discutir objetivamente os fatos, sobre como as ações da PFDC não foram “voluntariosas” nem realizadas sob os auspícios do controle externo da atividade policial, mas simplesmente atendendo as determinações previstas em lei, quando provocada por duas representações.
O que mais consterna e preocupa, no entanto, é o fato de que, em seu voto, o conselheiro relator Antonio Duarte apenas reproduziu a falta de objetividade e o excesso de divagações apresentadas na peça inicial. Em nenhum momento analisou-se objetivamente o que seriam atos privativos de controle externo policial, nem os atos concretos praticados pela PFDC. E tudo isso ainda não seria suficiente, já que também seria necessário delinear quais condutas são compatíveis com a investigação de violações de direitos humanos, discutindo, assim, se não há eventual convergência de atuações surgidas de atribuições distintas.
Apesar da evidente legalidade da atuação da Procuradoria Federal, o entendimento do ilustre relator, que acolhe o pedido do MP estadual, está prevalecendo – e essa posição ensejará gravíssimo equívoco do CNMP.
Isso porque não existe transbordamento de competência pelo órgão federal, tampouco afronta à autonomia funcional do Ministério Público estadual. Não há sobreposição porque a PFDC não é hierarquicamente superior ao MPSP. O que há, na verdade, considerando a horizontalidade entre os ministérios públicos estaduais e o Federal, são fatos que despertaram atribuições distintas: do lado do MPSP, o exercício do controle externo da atividade policial (que, diga-se, deixa a desejar em São Paulo) e, do lado da PFDC, o recebimento e a apuração denúncias conforme estabelece a LC 75/93 – atribuição indevidamente apresentada como controle externo da atividade policial.
São funções institucionais do Ministério Público da União a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis. Impossível auferir que a pretendida atuação da PFDC em relação a protestos viola o texto legal. O entendimento até o momento majoritário furtará da PFDC sua autonomia funcional, impedindo-a de apurar e instruir devidamente os procedimentos administrativos antes de encaminhá-los a qualquer autoridade responsável pela prevenção de violação de direitos fundamentais. Além disso, a decisão concederá exclusividade temática – e não de competência, como se alega – aos ministérios públicos estaduais, numa restrição que lei nenhuma faz.
Em outras palavras, não existe proibição que impeça o MPF de eventualmente abordar fatos vinculados a polícias estaduais; o que não se pode é invadir a competência funcional dos parquets estaduais no exercício do controle externo da atividade policial, o que não acontece nesse caso.
A PFDC pretendia tão somente emitir um relatório com base em elementos colhidos que diziam respeito a violações de direitos fundamentais pelas polícias em protestos, tecer recomendações e pedidos de providências.
Como se vê, o CNMP está prestes a amordaçar a PFDC naquilo que lhe é mais importante e legitimador: a defesa dos direitos humanos. O precedente é perigoso e esperamos que os ilustres Conselheiros se atentem aos efeitos práticos que uma decisão como essa pode gerar nas instituições de Estado que buscam atingir, cada uma dentro de sua competência, o fundamento do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.

Rafael Custódio - Advogado e coordenador do programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos
João Paulo de Godoy - Advogado do programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos

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